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quarta-feira, 23 de março de 2016

Cristo, o exemplo dos mártires e da Igreja Cristã


Cap. 18, v. 11: “Mas Jesus disse... não beberei, porventura, o cálice que o Pai me deu?”

Sl 22; Is 52.13-53.12; Hb 4.14-16; 5.7-9; Jo 18-19 –
 Sexta-feira Santa 
No dia 15 de fevereiro, toda a Igreja Cristã voltou os olhos para a Líbia onde vinte e um cristãos coptas foram mortos por ordem do Estado Islâmico. Em 17 de janeiro, sete igrejas foram queimadas no Níger. Janeiro de 2013: Perseguição à Igreja Cristã na Coréia do Norte se intensifica. Uma outra reportagem também diz que, em 2012, metade do número de pessoas mortas por motivos religiosos aconteceu na Nigéria, onde mercenários muçulmanos recebiam US$ 43,00 por cada cristão morto.
E ainda, só para termos uma noção mais geral sobre a perseguição cristã no mundo, o site persecution.org diz atualmente que cerca de 200 milhões de cristãos sofrem perseguição. E uma reportagem do Vaticano constatou que mais de cem mil cristãos são mortos todos os anos, fazendo uma média de uma morte a cada dez minutos. O motivo na grande maioria desses casos: ser cristão.
Os números são realmente assustadores e nós não podemos fazer de conta que isso não nos diz respeito. São milhares de irmãos e irmãs na fé que diariamente são perseguidos, torturados, mortos por confessarem a sua fé cristã enquanto nós vivemos em um país onde temos plena liberdade religiosa e todas as oportunidades de testemunhar a nossa fé. Temos, no mínimo, o dever de orar por essas pessoas.
Seja como for, a pergunta que não cala é sempre a mesma: Por que Deus permite? Por que Deus permite que os seus filhos sejam perseguidos, rejeitados, torturados e mortos? Na verdade, muitos cristãos só não encontraram a resposta a esse tipo de pergunta porque ainda não abriram a Bíblia para procurar por ela.
Quando Jesus estava reunido com os apóstolos, conforme o evangelho de João, capítulo 15, versículo 20, ele disse: “Não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros”. E essa é a razão porque Pedro escreveu na sua primeira carta o seguinte: “Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós... como se alguma cousa extraordinária vos estivesse acontecendo”; “Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos” (1Pe 4.12; 2.21).
O cristão, por estar unido com Cristo Jesus, automaticamente acaba compartilhando também do seu sofrimento. Quando um cristão sofre, Pedro diz, não pensem que isso é uma coisa estranha. Estranho é quando o cristão não sofre porque existe a grande possibilidade de ele não estar vivendo e confessando a sua fé cristã.
Sim, Deus permite o sofrimento sobre o cristão. Só ele não faz isso como castigo, muito menos tem prazer no sofrimento dos seus filhos, Deus traz o sofrimento para nos manter na fé naquele que sofreu em nosso lugar. E quando, na sua eterna sabedoria, decide que alguém precisa morrer por esta fé para nos fortalecer no nosso testemunho e exemplo como cristãos, assim ele permite.
Há poucas semanas, em vista desses acontecimentos dos quais falamos há pouco, o Dr. William Weinrich, professor de um dos nossos seminários nos Estados Unidos, escreveu um artigo sobre o martírio cristão. E ali ele disse uma grande verdade que, às vezes, passa despercebida. Ele diz: Embora nossa teologia possa nos ensinar que estamos a viver a teologia da cruz, nossa experiência de sermos cristãos no mundo diz o contrário, afinal, muito pouco temos sofrido por sermos cristãos. E se isso não é uma verdade no mundo todo, pelo menos é em alguns lugares como o Brasil.
Numa linguagem bem coloquial, aqui no Brasil nós vivemos na mamata. É muito fácil ser cristão no Brasil e talvez até por isso que nós nos acomodamos tanto, porque é bom viver um discipulado sem cruz. Só que tem um problema: não existe discipulado sem cruz. A não ser que Deus, por sua bondade está nos poupando de sofrer, ou nós realmente não estamos vivendo e confessando a nossa fé.
E se essa é a questão, então nós estamos em grande perigo. Jesus diz assim: “Todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus; mas aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt 10.32-33).
No mesmo artigo sobre martírio cristão, o Dr. Weinrich traz vários relatos de cristãos que morreram como mártires. A gente fica impressionado quando lê aquilo por causa da coragem dos mártires, pena que seria cansativo trazer todos os relatos agora. Mas pelo menos um deles merece a nossa atenção.
Vamos lembrar do que aconteceu com Perpetua, em Roma, por volta do ano 202. Mulher jovem, de família nobre, é convertida ao cristianismo. Quando acusada publicamente pelo governo romano de haver cometido o crime de crer em Jesus, o pai dela faz de tudo para que ela renegue essa fé: Pensa nos teus irmãos, na tua mãe, no teu filho. Por fim, o próprio governador pede que ela negue a sua fé para que não seja morta. Mas diante da pergunta “tu és cristã?”, ela responde christiana sum– eu sou cristã! Ela acaba de assinar a sua sentença de morte. Mas não nega a sua fé.
O que Perpetua fez não foi nada mais do que atender ao que Jesus ensinou: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10.37).
Christianus sum não é uma mera declaração de que fulano de tal pertence a um grupo religioso cristão. Muito mais do que isso. É a maneira do mártir perguntar ao mundo: Quem realmente tem o poder para tirar ou dar a vida?
Aparentemente as autoridades têm esse poder. Afinal, a vida de Perpetua e de tantos outros estiveram nas mãos de governos terrenos que podiam tanto condená-los como salva-los. Mas não é assim. Eles podiam até ter o poder para tirar a vida – se Deus o permitisse – mas jamais teriam o poder para dar a vida.
A vida, o maior presente que Deus dá ao ser humano, está nas mãos de Deus. Só ele pode dar a vida. Por isso, na grande maioria das vezes, os mártires não enfrentavam as autoridades dizendo: Podem me matar, um dia eu vou ressuscitar. Mas eles diziam: Podem me matar, mas eu não posso negar aquele que é o Deus Criador.
Ou seja, eles não enfrentavam a morte firmados na ressurreição, o que seria, de certa forma, uma atitude egoísta. Eles enfrentavam a morte simplesmente porque Deus é seu Criador. Em outras palavras ainda: mesmo que não houvesse ressurreição, nem Juízo final, nem salvação, ainda assim as palavras do cristão mesmo diante da morte sempre devem ser “eu sou cristão”!
Ser cristão no mundo é estar em constante conflito. Aqui não há terreno neutro. Ou nossa vida é um sacrifício aos deuses deste mundo (dinheiro, prazer) ou ao único e verdadeiro Deus; ou estamos a confessar Cristo ou a nega-lo; prontos para viver ou para morrer.
No entanto, aquele que prefere viver do que confessar a sua fé cristã, entra na morte; mas o que prefere morrer do que negar o seu salvador, entra na vida. Como o próprio Jesus diz: “Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á” (Mt 16.25).
E esta é a esperança do cristão: saber que, quer vivamos, quer morramos, somos do Senhor. Porque Deus não é Deus de mortos e sim de vivos.
O cristão precisa estar consciente de que tudo o que é deste mundo, por melhor que seja ou pareça, é temporário. Amar o mundo é amar o que é temporário e abrir mão daquilo que é permanente: a vida eterna.
Jesus é e sempre vai ser o nosso grande exemplo. Pois ele, apesar da tamanha dor que sentia, sempre de novo se colocava debaixo da vontade do Pai, mesmo que essa vontade implicasse em futura crucificação. Se era esse o cálice que o Pai lhe deu para beber, era esse o cálice que ele iria beber.
No século IV (quatro) Agostinho fez uma pregação lembrando aqueles que morreram como mártires. Entre eles, Perpetua. As palavras de Sto. Agostinho, daquela ocasião, com certeza são válidas para os cristãos de todos os tempos. Assim ele diz:
“Tu sentes bem-estar? Faze pouco caso disto, e tu haverás de tê-lo. Tu negas a Cristo, com medo de estragar tua amizade com os homens; confessa Cristo, e desfrutarás a amizade na cidade dos anjos, a cidade dos patriarcas, a cidade dos profetas, a cidade dos apóstolos, a cidade de todos os mártires, a cidade de todos os crentes fiéis.”
Agostinho disse essas palavras a pessoas que talvez não as entenderiam porque não sofriam perseguição. Assim como eu faço agora. Talvez essas palavras não tenham muito impacto nas nossas vidas porque não estamos a viver grandes perseguições. Mas por quanto tempo? E quanto aos nossos filhos e netos? O nosso ensino e exemplo têm sido para que eles aprendam a viver neste mundo, o que é importante. Mas temos nos dedicado a ensinar-lhes a Palavra de Deus de tal modo que eles prefiram morrer por ela do que viver sem Cristo?
Ninguém precisa temer nem desanimar. O Senhor da Igreja prometeu que nem mesmo as portas do inferno prevalecerão contra ela.
Os mártires não foram e nem são pessoas mais santas do que nós. Mas, sem dúvida, olhando para eles sempre sob a sombra da cruz de Cristo, podemos vê-los como exemplos de cristãos que, com robusta fé e vívida esperança alcançaram a coroa da vida eterna mediante a fé no salvador Jesus Cristo.
Possamos nós também estarmos determinados e engajados no trabalho no reino de Deus, procurando, com tudo o que somos e temos, nas nossas palavras e ações, testemunhar e confessar que Jesus morreu para a nossa salvação. E quando ele nos vier chamar para junto de si, estejamos a celebrar a vitória de Cristo sobre a morte. Amém.